LUGAR COMUM
Um dos grandes problemas quando resolvo escrever uma crônica é o tema. Como posso desenvolver meus textos de uma forma original?
Por exemplo, as enchentes e deslizamentos de terra que acontecem todos os anos no verão. A ordem do discurso remete às palavras chaves especulação imobiliária, politicagem e falta de planejamento urbano. Em qualquer parte, todos falarão as mesmas palavras e sem querer repetirei a mesma coisa.
Como já sabem, não sou um bom cronista. Aliás, já escrevi isso nos meus primeiros posts. Não consigo dar um traço bacana nas minhas crônicas e elas acabam um amontoado de palavras vomitadas no blog. E não tenho uma gama de assuntos atraentes para argumentar. Tenho a sensação que estou sempre me repetindo ou andando em círculos.
Também, dizer o que todo mundo já sabe, não vale a pena e o silêncio, pode ser uma maneira de protesto num mundo que é imperado pelo barulho.
Outra dificuldade que tenho é o desfecho da crônica. Não sei como vou terminá-la. Fico pensando e reescrevendo. Na realidade, penso que o motivo de não conseguir acabar é porque o texto ainda não está pronto. Está verde ainda.
Terminarei por aqui. Um dia, concluo...
Encontrei um belo texto que define de uma maneira lírica a crônica e que concordo bastante. Parece que foi escrito por Eça de Queirós:
O Valor da Crónica de Jornal

A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo, espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, dos enfeites, fala em tudo baixinho, como quando se faz um serão ao braseiro, ou como no Verão, no campo, quando o ar está triste. Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amor, crimes terríveis; espreita, porque não lhe fica mal espreitar. Olha para tudo, umas vezes melancolicamente, como faz a Lua, outras vezes alegre e robustamente, como faz o Sol; a crónica tem uma doidice jovial, tem um estouvamento delicioso: confunde tudo, tristezas e facécias, enterros e actores ambulantes, um poema moderno e o pé da imperatriz da China; ela conta tudo o que pode interessar pelo espírito, pela beleza, pela mocidade; ela não tem opiniões, não sabe do resto do jornal; está nas suas colunas contando, rindo, pairando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando.
A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e que vivem no quarto dos amigos, que entram com um cheiro de Primavera, alegres, folgazões, dançando, que nos abraçam, que nos empurram, que nos falam de tudo, que se apropriam do nosso papel, do nosso colarinho, da nossa navalha de barba, que nos maçam, que nos fatigam... e que, quando se vão embora, nos deixam cheios de saudades.

Eça de Queirós, in 'Distrito de Évor

Comentários

  1. Olá, Dudu!

    Já pensou que o inacabamento pode ser um sinal de estilo próprio... Resta a reflexão.

    Sílvio

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