Por que gostei de assistir Divergente?



Tudo bem que é um filme de ação voltado para o público jovem, mas, acho interessante pegá-lo para fazer como uma ponte para os fatos históricos.

A história é sobre uma menina que vive em um futuro distante e precisa encontrar seu espaço no mundo. Pois, no contexto histórico do filme, depois de uma “guerra” que devastou cidades, o mundo foi dividido em cinco facções: Audácia, benevolência, amizade, franqueza e erudição. E todos os jovens são obrigados a escolher em qual grupo ficar, já que os “sem-facção” são considerados marginalizados. Ao fazer o teste, a moça descobre ser divergente e que não tem um grupo específico.

Neste ponto, comecei a pensar como na vida a gente precisa encontrar um lugar no mundo e o filme é de certa forma uma metáfora da realidade, que cobra um posicionamento das pessoas e quem fica à margem, é deixado de lado.  Uma questão bacana para se discutir. Inclusive, não se pode esquecer, que a ficção científica sempre contribuiu para uma análise crítica sobre o comportamento humano e das sociedades autoritárias. Exemplo(  dos livros que li): 1984 - George Orwell, Fahrenheit 451.

Outro fato... Com o desenrolar da história a facção da Erudição e da Audácia se unem para dominar a parada toda. No grupo da audácia, seus integrantes são guerreiros e na Erudição, o pessoal  produz conhecimento e tecnologia. Aí, que veio a reflexão que sempre faço sobre a questão da força bruta, visto que na raça humana não é o mais forte fisicamente que domina, ele precisa ter habilidades de liderança e articular alianças para se manter no poder.

A força bruta é eficaz até certo ponto, domina só o corpo do outro num espaço pequeno de tempo. Quando o cara forte vai dormir, por exemplo, será que está no  domínio ainda? Logo, desde os primórdios, nossos antepassados perceberam a necessidade de se construir um domínio que não só domine o corpo mais a mente. Surgiu a ideologia, a qual foi lapidada pelos que tinham o dom de liderança.
No filme, a erudição formou toda uma estrutura de ideologia e tecnologia, porém, precisava da audácia como arma para aplicar seus interesses. Então, ocorreu um fenômeno social que sempre acontece na vida real. A força bruta da Audácia é legitimada pela ideologia construída pela Erudição.

Portanto, por isso que acho bacana fazer correlações com a História da humanidade com o intuito de observar como devemos ter cuidado  com certos pensamentos que aparecem por aí e que fazem até uma lavagem cerebral na cabeça da gente.  Esta força é muito mais cruel que a bruta, pois a segunda é restrita, contudo, a primeira, não.   

Enfim, só foram alguns tópicos que quis comentar. Aceito críticas construtivas.
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Tem um texto Bertold Brecht que faz pensar sobre a dominação ideológica e de como ela é poderosa.

"Se os tubarões fossem homens?", perguntou ao sr K. a filha da sua senhoria, "eles seriam mais amáveis com os peixinhos?". "Certamente", disse ele.

"Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal como vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca, e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, então lhe fariam imediatamente um curativo, para que ele não lhes morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar em direção às goelas dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo, quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que esse futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta, marxista, e avisar imediatamente os tubarões se um dentre eles mostrasse tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, eles iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo em direção às goelas dos tubarões, e a música seria tão bela, que a seus acordes todos os peixinhos, com a orquestra na frente, sonhando, embalados nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões.

Além disso, se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam, com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores, detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas etc. Em suma, haveria uma civilização no mar se os tubarões fossem homens".


Bertolt Brecht

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